A recente manifestação encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, reacendeu um debate que há tempos circula nos bastidores jurídicos e políticos: os limites e os procedimentos do impeachment de ministros da Corte. O documento, endereçado ao ministro Gilmar Mendes, pede a reavaliação de uma decisão que impôs novas regras para a abertura desse tipo de processo. A discussão ganhou espaço nacional, especialmente por envolver interpretações constitucionais sensíveis relacionadas à soberania popular e à atuação dos poderes da República.
O Pedido da Advocacia-Geral da União
No centro da controvérsia está o argumento apresentado por Messias. Ao se dirigir ao STF, ele destacou que o poder de fiscalização exercido pelos cidadãos nasce diretamente da soberania popular, prevista no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal. Esse trecho conhecido estabelece um dos fundamentos do sistema democrático brasileiro: “todo o poder emana do povo”. Para o chefe da AGU, essa premissa deve ser levada em consideração quando se discute quem pode propor um processo de impedimento contra ministros da Suprema Corte.
Messias sustenta que limitar essa prerrogativa apenas à Procuradoria-Geral da República (PGR) cria uma barreira que não existiria no texto constitucional. Segundo ele, o espírito da Constituição é justamente permitir que diferentes instrumentos de controle republicano possam ser realizados pela sociedade, direta ou indiretamente. Por isso, a manifestação solicita que Gilmar Mendes reveja sua decisão liminar e permita que outras autoridades legitimadas, como senadores, possam apresentar pedidos de impeachment sem depender exclusivamente da PGR.
A Liminar Concedida por Gilmar Mendes
A decisão de Gilmar Mendes, que motivou a reação da AGU, estabeleceu dois pontos centrais que alteram significativamente a forma como o processo de impeachment de ministros do STF pode ser iniciado. O primeiro deles foi a determinação de que apenas a Procuradoria-Geral da República possui legitimidade para formalizar pedidos dessa natureza. Esse entendimento restringe a iniciativa e busca, segundo o ministro, evitar o uso político de um mecanismo institucional extremamente sensível.
Além disso, Gilmar fixou como requisito a necessidade de um quórum qualificado no Senado Federal para avançar com o processo: 54 dos 81 senadores devem concordar com o andamento do pedido. Essa exigência torna o procedimento mais rigoroso, elevando o grau de consenso político necessário para que um impeachment chegue à fase de julgamento. Ainda que a liminar tenha efeito imediato, sua confirmação definitiva dependerá do voto do plenário do STF, que analisará a questão em data ainda a ser definida.
O Contexto Jurídico e Político da Discussão
A proposta de limitar a entrada de pedidos de impeachment ao Ministério Público Federal surge em um momento de crescente politização das instituições. Nos últimos anos, diversos pedidos foram apresentados por parlamentares e cidadãos, muitos com motivação política ou em reação a decisões específicas do STF. A Corte, frequentemente colocada no centro de debates nacionais, passou a ser alvo de iniciativas que levantaram preocupações sobre o uso inadequado do mecanismo do impeachment.
Por outro lado, setores defendem que o instrumento é uma ferramenta de controle legítima, prevista na Constituição, e que deve estar acessível à sociedade por meio de seus representantes. A discussão envolve, portanto, o equilíbrio entre o respeito à estabilidade institucional e a preservação da soberania popular. A manifestação da AGU entra exatamente nesse ponto: para o órgão, restringir a iniciativa apenas à PGR pode ser interpretado como um afastamento das bases democráticas que conferem ao povo o poder de controlar seus agentes públicos.
A Interpretação da Soberania Popular
A defesa apresentada por Jorge Messias traz à tona um debate que acompanha praticamente toda a história constitucional brasileira: como interpretar, na prática, a ideia de que o poder emana do povo? Na visão da AGU, isso implica garantir que a sociedade tenha meios efetivos de fiscalizar a condução do Estado. Para o órgão, quando o texto constitucional estabelece que todo o poder deriva da população, ele também abre espaço para instrumentos que permitam o controle público sobre autoridades dos três poderes.
A liminar, no entanto, sugere uma leitura mais restritiva e institucional. Ao centralizar a legitimação do pedido de impeachment na PGR, Gilmar Mendes argumenta que o Ministério Público, por sua natureza jurídica, atua com independência, o que o tornaria um filtro adequado para evitar abusos. Essa interpretação busca preservar a integridade das instituições e impedir que pedidos sejam usados como forma de pressão ou retaliação política.
O Papel do Senado no Processo
Independentemente de quem pode protocolar o pedido, o Senado Federal continua sendo o órgão responsável por julgar processos de impeachment contra ministros do STF. A exigência de 54 votos, definida na liminar, significa que qualquer processo só avançará se houver um consenso sólido entre os senadores. Esse patamar elevado reforça a ideia de que o impeachment deve ser uma medida excepcional, aplicável apenas em cenários de gravidade constitucional extrema.
A manifestação da AGU, entretanto, chama atenção para o fato de que o Senado também é uma expressão direta da soberania popular, pois é composto por representantes eleitos. Assim, limitar a possibilidade de abertura do processo apenas à PGR poderia reduzir o papel fiscalizador do próprio Legislativo.
O Que Pode Acontecer Agora
Com a manifestação recebida, caberá ao ministro Gilmar Mendes analisar o pedido e decidir se reconsidera sua liminar. Caso não o faça, o tema deverá ser debatido pelo plenário do STF, onde os demais ministros poderão confirmar, alterar ou revogar a decisão. Independentemente do desfecho, a discussão já estimulou um debate amplo sobre democracia, controle institucional e interpretação constitucional.
O episódio mostra como a relação entre os poderes continua sendo dinâmica e, em muitos momentos, sensível. A forma como o STF resolverá essa questão terá impacto direto não apenas no futuro de processos de impeachment, mas também na compreensão prática da soberania popular no país.

